Os ambientes laborais devem se tornar mais democráticos. E, para isso, é fundamental contar com pessoas que saibam não só falar bem, mas ouvir. Trabalhadores com essa habilidade são raros e viraram alvo das empresas modernas
Correio Braziliense
Saber ouvir, sem prejulgamentos, é capacidade cada vez mais valorizada em trabalhadores e,principalmente, gestores. Hoje em dia, saber se comunicar bem não quer dizer apenas ter boa oralidade ou conseguir persuadir o outro: envolve também estar apto a acolher sugestões e opiniões de outros
Muito se fala sobre a importância das habilidades socioemocionais ou comportamentais, aquelas que não dependem de conhecimento ou técnica, mas da atitude. Mas você sabia que entre as competências mais desejadas nos funcionários pelos empregadores está a “escutatória”? Quase 20 anos depois de o neologismo ter sidos criado pelo escritor, psicanalista, teólogo e professor brasileiro Rubem Alves, cresce o número de empresas que tentam estimular líderes a desenvolverem a capacidade de ouvir no ambiente corporativo. Instituições que antes eram adeptas do ditado “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, identificaram uma nova necessidade antes da tomada de decisões importantes: escutar sem preconceitos e considerar as opiniões do máximo possível de colaboradores.
Mais do que persuadir os funcionários a aceitarem o seu ponto de vista em todas as situações, o gestor moderno deve se abrir para visões diferentes sobre produtos, estratégias ou mesmo questões administrativas internas da companhia. É claro que esse tipo de habilidade é considerada importante também em empregados fora de cargos de gestão — afinal, um empregado que não se abre para o que os outros dizem terá mais dificuldade de aprender algo, conviver em equipe e até de melhorar o próprio desempenho. No entanto, esse tipo de atributo é ainda mais primordial entre líderes, a fim de que eles estimulem o hábito de ouvir os demais colaboradores. É do chefe que devem partir as iniciativas para um ambiente mais democrático, aponta Jacqueline Resch, certificada em práticas de colaboração e diálogo pelo Taos Institute.
“O líder não é mais aquele que tem todas as soluções. Ele deve compreender por que o outro pensa diferente, evitar prejulgar antes de ouvir”, ensina. Para Susanne Andrade, consultora de pessoas e desenvolvimento humano, os chefes precisam focar menos em comandar e mais em ouvir os subordinados. “Muitas empresas querem lideranças mais humanizadas e servidoras, líderes que ouçam e gerenciem por meio de perguntas, em vez de impor”, afirma. Segundo ela, o mercado de trabalho caminha para uma metodologia mais colaborativa do que competitiva. De acordo com Jacqueline, psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), a empresa ganha em resultado com o debate de ideias.
“Durante a discussão podem ser levantados prós e contras que, em princípio, o líder não enxergou. Ao se considerarem as várias perspectivas de uma mesma questão, provavelmente se chega a uma decisão melhor”, acredita. Se o gestor age de maneira autoritária e não promove a “escutatória”, a entidade em que ele trabalha pode sofrer duras consequências: perda da capacidade de retenção de talentos e inovação, diz Jacqueline, que fez MBA em gestão pelo Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Se a empresa não escuta as pessoas, os mais jovens não querem trabalhar nesse local, porque eles querem ser ouvidos e participar. Além disso, como você vai inovar se não leva em consideração pensamentos diferentes? É necessário ter funcionários que tragam ruptura para pensar em outras alternativas”, aconselha, a sócia da Resch RH, consultoria em recursos humanos.
A “culpa” é das gerações mais jovens
Na White Martins, empresa de produção e comercialização de gases industriais e medicinais, representante da Praxair na América do Sul, modelos mais inclusivos de comunicação ganham espaço ao mesclar funcionários experientes e jovens. É o que relata a diretora de talentos e comunicação em RH na empresa, Cristina Fernandes, 48 anos. Ela cita uma das vantagens da “escutatória” que ela tem sentido na organização. “Dar voz a pessoas de todas as gerações, que têm bagagens diferentes, faz com que elas se motivem mais a entregar o melhor para a empresa”, afirma.
Pós-graduada em marketing pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Cristina conta que a companhia onde trabalha tem promovido treinamentos de liderança com valorização de diversas competências, entre elas o hábito de escutar. “Aqui se constrói valor e compartilhamos ideias. Acho que exercitar isso permite aumentar o poder de influência e a eficácia na comunicação, quesitos muito importantes para os gestores”, reflete. Para ela, um bom modelo de gestão passa, necessariamente, por saber falar e escutar.
“Sobretudo as gerações mais novas querem um modelo diferente do antigo, no qual o chefe falava e todos obedeciam”, ressalta. Consultora em gestão de pessoas e diretora da Talentar, Márcia Lanini acredita que as novas gerações têm muita influência nesse novo direcionamento na comunicação interna das empresas. “Tenho sentido isso na pele, pois trabalho com treinamento e desenvolvimento humano. Os jovens querem ser ouvidos e contribuir com soluções, não apenas recebendo-as prontas”, afirma a graduada em gestão de recursos humanos pela Faculdade Senac.
Em Nossa empresa não é porque a pessoa está em um cargo superior que apensa ela tem opinião. A experiência de cada um conta e é válido ouvir todas as idéias para definir qual a melhor,dando voz aos funcionários da base”
Beatriz Bizzo, 24 anos, é estilista na Malharia Ipanema e está empolgada com as mudanças que a fornecedora têxtil tem adotado na comunicação interna. “Aqui não é porque uma pessoa está em um cargo superior que apenas ela tem opinião. A experiência de cada um conta e é válido ouvir todas as ideias para definir qual a melhor, dando voz aos funcionários da base”, orgulha-se. Foi a própria Beatriz, graduada em design de moda pelo Centro Universitário Iesb, quem identificou a necessidade de melhorias no relacionamento dentro da empresa.
Os jovens querem ser ouvidos e contribuir com soluções,não apenas recebendo-as prontas”
Márcia Lanini consultora em gestão de pessoas
“Era nítida a necessidade de envolver as pessoas e fazê-las se sentirem satisfeitas com a firma”, observa. Recentemente, a companhia criou um espaço de reuniões semanais para ouvir os funcionários sobre o desenvolvimento das atividades internas e esclarecer dúvidas sobre produtos e preços, com o objetivo de que os trabalhadores se sintam parte da tomada de decisões do negócio. Os resultados não tardaram a aparecer. “Quando a gente começou a integrá-los à loja, eles vestiram mais a camisa da empresa. Agora, eles têm noção dos motivos para algumas escolhas e são mais compreensivos”, ressalta.
Responsabilidade do empregado
“De alguma forma, todas as coisas que o supervisor me diz são em prol do meu crescimento. Ele me pede informações sobre o trabalho e isso melhora o serviço”
Bruno da Costa, atendente de caixa
Embora as empresas tenham acirrado a busca por líderes que exercitam a “escutatória”, os empregados têm cada vez menos desculpas para atitudes rebeldes ou momentos em que não aceitam ouvir críticas e sugestões dos superiores e dos colegas. A ideia é simples: ter mais direitos na participação das decisões requer, também, que os funcionários estejam abertos a mais questionamentos e dicas de melhoria no trabalho que desempenham. “Desde o processo seletivo, pergunto se a pessoa é receptiva e como se comporta quando recebe feedbacks. Principalmente os jovens que estão entrando no mercado de trabalho são muito imediatistas e impulsivos e não conseguem planejar, ouvir”, afirma Márcia Lanini, que também é instrutora de treinamentos em oratória, comunicação empresarial e etiqueta empresarial pela Universidade Corporativa (UniCIT).
Levar a bronca do chefe para o lado pessoal ou ficar de cara feia não adianta nada. É preciso escutar com atenção e extrair o máximo possível de aprendizado com alguma crítica dada pelo superior. Se fechar-se para opiniões contrárias pode atrasar o desenvolvimento profissional. “Quando alguém diz algo, eu preciso entender como aquilo vai contribuir para o meu crescimento, mesmo que seja uma critica. O funcionário deve abrir o coração para ouvir porque, se fechar, fica com a mentalidade parada no tempo. É importante trabalhar com feedback”, recomenda Susanne Andrade, especialista em gestão e clima organizacional pela FGV. Bruno da Costa, 25, conseguiu duas promoções em apenas seis meses na Sol Telecom, empresa de venda de material de segurança, por saber ouvir.
Formado em gestão pública pela Anhanguera, ele começou no almoxarifado e, três meses depois, passou a trabalhar como motorista. Mais três meses e o jovem foi promovido a atendente de caixa no setor financeiro da entidade. Para ele, é essencial ter feedback do chefe direto e, acima de tudo, saber lidar com as sugestões. “De alguma forma, todas as coisas que o supervisor me diz são em prol do meu crescimento. Ele me pede informações sobre o trabalho e isso melhora o serviço”, pondera. Técnico em enfermagem pelo Centro Técnico de Educação Profissional (Cetep), Bruno diz que ainda sente dificuldade em ter a iniciativa de pedir ao chefe uma avaliação sobre o desempenho no trabalho. “Não tenho o costume de perguntar como estou indo na área, mas tenho buscado fazer isso em alguns momentos”, conta.
Manual do diálogo
Dicas para uma comunicação eficaz
1) Ouvir com atenção plena
(escuta ativa)
2) Exercitar a empatia, falando com o outro como gostaria que falassem com você
3) Estar atento também à comunicação não verbal
4) Direcionar por perguntas
abertas para ouvir mais
5) Respeitar a opinião do outro: você pode até não concordar, mas não deve julgar
Fonte: Susanne Andrade
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